domingo, 23 de novembro de 2008

As cidades e os olhos

para Calvino

Quem se aproxima dessa cidade durante o dia, logo é induzido a se perguntar quanto às exaltações da noite, desenhadas nas janelas fechadas, no silêncio, no segredo e no sossego dos resquícios derramados nos caminhos agora claros.

Gilberta não é uma cidade dos pecados. Mas uma cidade onde o dia finda a vida e a noite atrai e dissimula os habitantes que preferem sonhar enquanto o sol aquece seus telhados, para que não sintam falta de serem eles mesmos, de inscrever os sentidos uns nos olhos no corpo no quintal do outro.

As janelas vão se abrindo à medida que o ar perde o brilho e o sentido implora olhares. Jogos de sedução acontecem num mergulho dentro de cada habitante: as crianças se completam na infância da noite, procurando as estações nos olhos dos cães, descobrindo a gravidade do mundo disfarçada de encantamento. As famílias atravessam a ponte, conversam alto e trocam ardores apreendendo a folia prestes a transbordar pelos poros da pele.

A noite é como uma promessa solene de viver para algo. A noite para os moradores de Gilberta é sempre mais, é um pouco mais outra coisa. Os olhos deixam de julgar e de saber para que a intenção do interior guie ao que não se pode ver, ao que pode tanto ser música quanto elegia, tanto brinquedo quanto revelia.

Antes do amanhecer, quando voltam pra casa e procuram-se no espelho, percebem-se preenchidos. A maquiagem borrada, os odores baralhados, as roupas sujas e faltando dão a certeza dos encontros, a condição para mais um dia de sono, o alento para a próxima noite de existência.

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