quarta-feira, 19 de agosto de 2009

France Tour Detour Deux Enfants





Find the river



me, my thoughts are flower strewn
ocean storm, bayberry moon
I have got to leave to find my way
watch the road and memorize
this life that pass before my eyes
nothing is going my way




[R.E.M.]
[Paranoid Park, 2007]

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Para lá

Se toda escada esconde
Uma rampa
Ampara o horizonte
Uma ponte
Para o oriente
Um olhar
Distante

Em volta de um assunto
Uma lente
Depois de cada luz
Um poente
Para cada ponto
Um olhar
Rente

E a montanha insiste em ficar lá
Parada
A montanha insiste em ficar lá
Para lá
Parada
Parada

Diante do infinito
Um mosquito
Em torno de um contorno
Gigante
Cada eco leva
Uma voz
Adiante

Decanta em cada canto
Um instante
De dentro do segundo
Seguinte
Que só por um momento
Será
Antes

E a montanha insiste em ficar lá
Parada
A montanha insiste em ficar lá
Para lá
Parada
Parada

[música Adriana Calcanhotto, letra Arnaldo Antunes]



[Cézanne, The Lake at Annecy, 1896]

Para Merleau-Ponty, Cézanne foi aquele que primeiro mostrou o mundo tal como ele é antes de ser olhado.

Jacques Aumont, O olho interminável [cinema e pintura] p.208

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Picasso e os tempos

Pablo Picasso e Georges Braque são considerados os fundadores do movimento cubista. Curiosamente, desse movimento, os dois foram praticamente os únicos artistas que, na época, não procuraram explicar o cubismo - ambos não fizeram declarações escritas nos anos anteriores à guerra. Sendo assim, as poucas declarações de Picasso que tiveram início em 1923 estão distanciadas temporalmente daquele 1907, ano de Les Demoiselles d’Avignon, que marcaria o início do cubismo. Os textos de Picasso não dizem respeito a processos de obras específicas, são antes considerações sobre a relação entre sua vida e a arte, reflexões sobre as formas, o cubismo, a crítica, a recepção.

Para Picasso, o pecado mais falso que foi acusado de cometer é o do espírito da pesquisa. Muitos textos sobre Picasso (e sobre o cubismo) fazem referência à pesquisa: o crítico André Salmon em 1912, a respeito de Les Demoiselles d’Avignon, afirma que o quadro é a primeira aplicação das pesquisas de Picasso, que levaram longos dias e muitas noites, desenhando e concretizando o abstrato e reduzindo o concreto ao essencial (aqui a arte dos negros já fascinara Picasso e o influenciara pelo valor de deformação estética, diferente do tradicional). Em 1915, Daniel-Henry Kahnweiler define Picasso como um pesquisador fanático e traça uma trajetória temporal dessas pesquisas que teriam provado para o pintor que a forma fechada não propiciava um meio de expressão que atendesse adequadamente seus anseios. No entanto, Picasso é categórico em sua declaração: quando pinta, seu objetivo é mostrar o que encontrou e não o que está procurando. “Se em seu trabalho ele [o artista] se limitasse a mostrar que pesquisou, e pesquisou novamente, a maneira de apresentar mentiras, jamais realizaria alguma coisa”.

Partindo dessas contradições, é possível compor meios para pensar sobre as declarações de Picasso e sua obra. Primeiramente, quais foram as necessidades desse artista que o levaram a propor uma nova maneira de percepção? Essa busca é uma pesquisa ou, como Picasso afirma, essa busca não é pesquisa nem transição, mas um desejo de exprimir o que estava nele? Picasso também não considera seus diversos métodos empregados em sua arte como “evolução ou como passos na direção de um ideal desconhecido da pintura”. Tudo o que fez, segundo ele, fez para o presente e com a esperança de que continue no presente. Picasso expressa-se em cada pintura de tal modo a considerá-la acabada, pronta para um presente eterno? Também não. Um quadro terminado significa a morte: “acabar com ele, matá-lo, livrar-se de sua alma, dar-lhe o golpe final: uma situação extremamente infeliz, tanto para o pintor como para o quadro”. Sendo assim, como pensar essas obras, sempre no presente, com a fragmentação do olhar por meios da redescoberta de formas que sugerem novas percepções e múltiplas perspectivas em coalescência?

Não é no intuito de compreender que me lanço às perguntas. Picasso mesmo não via sentido no fato de todos quererem compreender a pintura: “Se ao menos compreendessem que o artista trabalha por necessidade, que ele próprio é um ínfimo elemento do mundo, a quem não se deveria atribuir mais importância que a tantas coisas da natureza que nos encantam, mas que não explicamos”. E realmente não é a compreensão ou a explicação que a pintura cubista intui. Mas a estimulação do olhar por meio de formas e objetos, causando uma profundidade que disseca o objeto, o espaço, o ser humano por todos os lados e entranhas e ao mesmo tempo. Essa necessidade de criar formas que constroem uma multiplicidade de estratos é o que conecta Picasso ao tempo. Vai além do presente para o qual ele diz fazer suas obras: ao relacionar o objeto com a percepção e criar no mesmo plano diversos pontos de vista, esses objetos contemplam a noção de temporalidade de Bergson, que propõe a experimentação do tempo em fluxos contínuos - esses fluxos não são apenas sucessões e mudanças, mas permanências no que sucede e transcorre. Para transmitir tanto a noção de duração, quanto a nova percepção colocada pelo cubismo, é preciso considerar as modalidades de tempo – passado, presente e futuro – não cronológica e uniformemente ordenadas, e sim como uma rede que torna os tempos indissociáveis e mesclados uns aos outros. A pintura de Picasso pode estar sempre no presente porque o passado não deixa de ser também presente, como a metáfora do rio no qual entramos e não entramos, estamos e não estamos. A pintura de Picasso pode estar sempre no presente porque torna contínua e simultânea a consciência e a memória. Seria a representação do tempo em fluxo contínuo a necessidade de Picasso, ao desassociar o olhar da “realidade visual” e o introduzir na plasticidade por si só?



1910 é o ano de Garota com Bandolim (Jeune Fille à la Mandoline). Esse ano é marcado na pintura de Picasso pelo rompimento com a forma fechada – “uma nova ferramenta havia sido forjada para servir a uma nova realidade”, escrevera Kahnweiler. A nova realidade não detinha os objetos e os rostos nas suas superfícies, mas permitia que fossem tangíveis à medida que as percepções visuais misturavam-se às percepções táteis conservadas na memória. A revelação das formas (nas partes do corpo, no bandolim, no fundo) incita a amplitude na contemplação, manifestando uma penetração do olhar que não era possível na imitação ilusionista. É por meio desse mecanismo que o tempo se instala, é na ousadia em multiplicar formas e temporalidades que Picasso representa seus instantes eternos.

Ainda sobre lançar-se à compreensão, Picasso escreveu: “Os que tentam explicar um quadro estão quase sempre no mau caminho. Gertrude Stein anunciava-me jubilosamente, há algum tempo, que finalmente compreendera o que representava o meu quadro dos três músicos. Era uma natureza-morta!”. Como seria uma natureza-morta, se, com o uso instável das formas, dá-se justamente o contrário? Era 1910 quando Jean Metzinger escreveu que Picasso “inventou uma perspectiva livre e móvel” e que “a forma, usada durante tantos séculos como o apoio inanimado da cor, recupera finalmente o seu direito à vida e à instabilidade”. É justamente sob a presença da vida que Picasso mantém os olhos – e propõe-se agir com a pintura, exatamente como na vida: “Faço uma janela como olho através de uma janela. Se essa janela aberta não fica bem no meu quadro, puxo uma cortina e a fecho como o teria feito no meu quarto”. Assim, a produção de Picasso segue a mobilidade do pensamento – que o permite, fora da lei acadêmica e do modelo anatômico, criar a liberdade imprevista dos movimentos. Além disso, “depois de terminado ele continua a mudar, conforme o estado daquele que o contempla. Um quadro vive sua vida como um ser vivo, sofre as mudanças que a vida cotidiana nos impõe. Isto é natural, já que um quadro só vive graças àquele que o contempla”.



Picasso apenas escreveu sobre seu modo de pintar de maneira geral, explicitando certos anseios, idéias sobre a arte, mas não especificamente sobre suas fases e transformações – afirma simplesmente que coloca nos seus quadros tudo o que ama: “Tanto pior para as coisas; tudo o que elas têm a fazer é arranjar-se entre si”. Desse modo, embora não possa aplicar efetivamente um contraponto entre as proposições do artista e a maneira pela qual essas proposições foram materializadas, fica claro o estímulo das obras de Picasso para lançar-nos a novas sensibilidades, construindo olhares capazes de reconhecer justamente na diferença com o “mundo visual”, as “verdades” do artista, a pluralidade de faces das coisas, dos objetos, dos espaços, dos rostos e até do tempo: propunha uma pintura não só com partes objetivamente visíveis, mas também com a interação da consciência... Num fluxo contínuo de criação, representação e recepção inextrincável que se modifica e se renova como o rio, como a vida.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A mise en scène

de cinema é o que não se pode ver. Tratamento dos corpos no espaço, sem gesticulação. Questão de centro, de relações: encarnada em uma deiscência, como quer a "mizankadr" eisensteiniana, em uma ocupação, uma medição febril do espaço, como em Rivette, em uma tomada de possessão mais autoritária e mais pacificada, como em Straub...

Jacques Aumont, O olho interminável [cinema e pintura] p.163